Como a TV formou na Amazônia uma torcida de índios apaixonada por times cariocas e paulistas

indios futebol 1Esqueça tudo o que você aprendeu sobre índios na escola — e isso inclui aquela música da Xuxa. Esse negócio de gente pelada no meio da floresta caçando só com arco e flecha ficou pra história. Hoje até existem alguns que ainda vivem assim isolados na Amazônia, mas são raríssimas excessões. Além disso, generalizar é uma grande besteira quando tratamos de 305 etnias diferentes. Talvez a generalização menos estúpida a se fazer é que o futebol é o esporte preferido nas aldeias.

Os funcionários da FUNAI e os missionários, tanto católicos quanto evangélicos, foram os maiores responsáveis por levar a bola aos índios, segundo o antropólogo Sérgio Cruz, que trabalha há 20 anos com indígenas na Amazônia. Este processo aconteceu a partir do contato do branco com cada grupo étnico, principalmente a partir das décadas de 60 e 70. "Nas sociedades mecânicas como a das aldeias, as atividades são mais coletivas, banho de rio, construção de malocas, caçadas, e futebol deve ter se popularizado por esse fator da coletividade e pode ter sido também válvula de escape do trabalho na roça", explica Sérgio.

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Outro fator de influência na cultura futebolística dos indígenas é a televisão. Hoje muitas aldeias possuem TV e antenas parabólicas — ainda que em vários casos só sejam ligadas por poucas horas em um gerador à gasolina. Acontece também que, devido à baixa qualidade dos campeonatos do Norte, o que se vê nas transmissões são os times de São Paulo e principalmente do Rio de Janeiro, o que reflete no time de coração dos indígenas da Amazônia.

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Diogo é um Cinta Larga de 25 anos. A irmã mais velha dele saiu da aldeia Roosevelt para estudar na cidade e viu o São Paulo ser campeão mundial de 2005. Resultado: a família inteira virou tricolor. Ele nunca assistiu a uma partida do seu time no estádio, mas acompanha tudo pela internet. "Meu sonho é ver um mata-mata da Libertadores no Morumbi junto com a Torcida Independente", afirma.

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As mulheres indígenas também torcem e jogam bola. Walelasoetxeige é uma Suruí que assim como toda a família, torce para o Flamengo. Ela começou cedo e hoje está no time do curso de Direito da faculdade onde estuda em Porto Velho. Nada de Cristiano Ronaldo, Neymar ou Messi, quando questionada sobre um ídolo no esporte, Walelasoetxeige responde de primeira: "Marta".

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Selma Borges não é indígena, mas é uma engenheira florestal que periodicamente está à trabalho em aldeias na Amazônia. Ela conta sua experiência com os Oro Nao: "Todo dia às cinco da tarde iam me chamar para jogar com as mulheres. Eu não entendia nada durante o jogo porque elas falavam em Xapacura, a língua original deles, mas alguém sempre traduzia para mim o que estava acontecendo". Selma garante que as indígenas entravam firme e o negócio era sério: "Jogavam desde meninas de 15 anos até senhoras mais velhas e casadas, e os homens só participavam raramente quando elas autorizavam, mas como juiz ou no gol".

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Com a bola rolando em tantas aldeias, em 2014 aconteceu algo histórico: o Gavião Kyikatejê Futebol Clube foi o primeiro time indígena a disputar a principal divisão de um campeonato, no Pará. Apesar de pouco conhecidos, existem outros exemplos de futebol profissional vindo de aldeia. Gilmar Cinta Larga é um deles. Ele chegou a ser convocado pela seleção Brasileira sub-15 para disputar o Mundial no México, mas acabou cortado por um problema no joelho. Gilmar ainda jogou profissionalmente pelo Pimentense de Rondônia, mas a mesma lesão acabou com sua carreira precocemente. Fã do Ganso e do time que tinha Raí, Zetti e Muller, o indígena tricolor explica: "Futebol não é coisa do índio mas hoje a gente não vive mais aquela realidade de antigamente".

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Fonte: Texto e fotos por Gabriel Uchida em Vice Brasil

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